A situação da droga na Europa até 2023 — Uma panorâmica e avaliação das ameaças emergentes e dos novos desenvolvimentos (Relatório Europeu sobre Drogas de 2023)
Esta página baseia-se nos dados mais recentes disponíveis para fornecer uma panorâmica da situação atual e das questões relacionadas com as drogas emergentes que afetam a Europa, com destaque para o ano até ao final de 2022. A análise aqui apresentada destaca alguns desenvolvimentos que podem ter implicações importantes para as políticas e os profissionais em matéria de droga na Europa.
Esta página faz parte do Relatório Europeu sobre Drogas de 2023, a síntese anual do EMCDDA sobre a situação da droga na Europa.
Última atualização: 16 de junho de 2023
EM TODO O LADO, TUDO, TODOS
O desafio complexo de abordar os problemas contemporâneos relacionados com a droga
As drogas ilícitas têm um impacto significativo na saúde e na segurança europeias
Uma das principais mensagens da análise do Relatório Europeu sobre Drogas de 2023 é que o impacto do consumo de drogas ilícitas se verifica agora quase em todo o lado na nossa sociedade. Quase tudo o que tem propriedades psicoativas tem potencial para ser utilizado como droga. Isto significa que todos, direta ou indiretamente, podem ser afetados pelo consumo de drogas ilícitas e pelos problemas que lhe estão associados.
Em todo o lado
Atualmente, as questões relacionadas com a droga têm impacto em quase todo o lado. A nível interno, manifestam e agravam outros problemas políticos complexos, como o problema dos sem-abrigo, a gestão de perturbações psiquiátricas e a criminalidade juvenil. Observamos também níveis mais elevados de violência e corrupção impulsionados pelo mercado da droga em alguns países. À escala internacional, os problemas relacionados com a droga estão a aumentar em muitos países de baixo e médio rendimento, prejudicando a governação e o desenvolvimento e agravando os já consideráveisdesafios que muitos países enfrentam em matéria de saúde pública e segurança.
Tudo
Observamos cada vez mais que quase tudo o que tem propriedades psicoativas pode aparecer no mercado de droga, muitas vezes com rótulos errados ou em misturas, deixando os consumidorespotencialmente inconscientes do que estão a consumir, aumentando os riscos para a saúde e criando novos desafios em termos de aplicação da lei e de regulamentação.
Todos
O impacto dos desenvolvimentos a que estamos a assistir significa que todos são, de alguma forma, suscetíveis de serem afetados pelo consumo de drogas ilícitas, pelo funcionamento do mercado da droga e pelos problemas que lhe estão associados. Diretamente, vemos isto nas pessoas que desenvolvem problemas e necessitam de tratamento ou outros serviços. Indiretamente, vemos isto no recrutamento de jovens vulneráveis para a criminalidade, na pressão sobre os orçamentos da saúde e nos custos sociais para as comunidades que se sentem inseguras ou em que as instituições ou empresas são prejudicadas pela corrupção ou pela criminalidade.
A situação da droga na Europa em 2023 — Uma panorâmica
A disponibilidade da maioria das substâncias ilícitas continua a ser elevada
Uma análise dos indicadores relacionados com a oferta das drogas ilícitas comummente consumidas na União Europeia sugere que a disponibilidade continua a ser elevada em todos os tipos de substâncias. O mercado caracteriza-se atualmente pela disponibilidade relativamente generalizada de uma gama mais vasta de drogas, frequentemente disponíveis com elevada potência ou pureza. Continuaram a ser detetadas grandes apreensões de drogas traficadas para a Europa em contentores de transporte intermodal, sendo as cadeias de abastecimento comerciais um alvo fundamental de infiltração por grupos da criminalidade organizada. A Europa também continua a ser uma zona de produção importante para algumas substâncias, em especial as drogas sintéticas e a canábis.
Uma maior diversidade na disponibilidade e no consumo de drogas está a criar novos desafios em matéria de saúde e de políticas
A elevada disponibilidade de drogas tem sido acompanhada por uma maior diversidade das substâncias presentes no mercado de drogas ilícitas, expondo os consumidores a um leque mais vasto de substâncias psicoativas. Estas incluem novas drogas sintéticas, para as quais o conhecimento sobre os riscos para a saúde é frequentemente limitado. Esta situação suscita preocupações quanto ao potencial de aumento do consumo de substâncias ilícitas em geral e quanto aos riscos acrescidos associados a algumas delas. As pessoas que consomem drogas podem estar expostas a um maior risco de efeitos adversos para a saúde, incluindo intoxicações e mortes, através do consumo, possivelmente inadvertido, de substâncias mais potentes ou novas, ou de misturas de substâncias em que as interações entre drogas possam aumentar os potenciais danos para a saúde.
As respostas conjuntas e baseadas em evidência podem funcionar, mas muitas vezes não estão suficientemente disponíveis
Embora persistam importantes lacunas de conhecimento, a investigação e o investimento no desenvolvimento de serviços significam que, nas áreas da prevenção, do tratamento, da redução dos danos e do apoio à recuperação, temos agora uma melhor compreensão das intervenções suscetíveis de serem eficazes. A natureza interrelacionada dos problemas associados ao consumo de drogas e outras questões complexas de política social significa também que existe um maior reconhecimento da necessidade de respostas mais integradas e abrangentes. Por conseguinte, são necessárias sinergias com a política e a prática noutras áreas importantes, incluindo o apoio à habitação, os cuidados de saúde genéricos, os serviços para jovens e idosos, a prestação de cuidados de saúde mental e o sistema de justiça penal. No entanto, tanto a disponibilidade de respostas específicas em matéria de drogas como os exemplos de modelos de cuidados bem desenvolvidos e integrados são extremamente heterogéneos a nível europeu e, em muitos países, é necessário investir mais em ambas as áreas.
Responder a necessidades mais diversas e complexas
Apoio crescente à implementação da prevenção do uso de substâncias baseada na evidência
A prevenção do consumo de substâncias visa parar ou atrasar o consumo de drogas psicoativas. Pode também ajudar as pessoas que começaram a consumir substâncias a evitar o desenvolvimento de perturbações relacionadas com o consumo de drogas. No entanto, historicamente, nem todas as abordagens utilizadas neste domínio foram consideradas eficazes, e o interesse na identificação e aplicação de programas de prevenção baseados na evidência tem vindo a aumentar. A consecução deste objetivo é agora apoiada pela criação de registos de programas de prevenção, iniciativas de formação e o desenvolvimento de normas de qualidade. O Currículo de Prevenção da União Europeia foi concebido para melhorar a eficácia global dos esforços de prevenção. Mais de 25 Estados-Membros da UE e países vizinhos dispõem agora de formadores nacionais do Currículo de Prevenção da União Europeia. Os esforços de prevenção são também apoiados pelo Xchange, um registo europeu em linha das intervenções de prevenção avaliadas.
É necessário reforçar a prestação de serviços de redução dos danos
O consumo de drogas ilícitas causa uma série de danos graves e crónicos e é um fator reconhecido que contribui para o peso global da doença. As respostas relacionadas com a redução dos danos, tais como o tratamento com agonistas opiáceos e o fornecimento de equipamento esterilizado aos consumidores de drogas injetáveis, são agora amplamente aceites como um contributo importante para a prestação de cuidados de saúde. No entanto, a cobertura e o acesso a estes tipos de intervenções continuam a ser inadequados em certos Estados-Membros da UE, em comparação com as necessidades estimadas. Alguns países também investiram em novos serviços, como salas de consumo vigiado, programas de naloxona para uso domiciliário e instalações de controlo de drogas. A disponibilidade destes serviços continua a ser mais limitada. Além disso, existe geralmente menos consenso entre os países quanto à extensão em que estas medidas constituem respostas adequadas. Por conseguinte, são necessários mais estudos de investigação e avaliação, a fim de reforçar a evidência necessária para informar as deliberações políticas nesta área.
A rápida evolução da situação das drogas na Europa cria novos desafios para a redução dos danos e a comunicação dos riscos
Uma maior diversidade na disponibilidade e no consumo de drogas está também a criar novos desafios para o desenvolvimento e a implementação de serviços destinados a reduzir os danos. Estes serviços são necessários para ajudar a mitigar os riscos para a saúde decorrentes de padrões de consumo mais complexos, novas substâncias e misturas de substâncias. É necessário, por exemplo, considerar o que constitui abordagens eficazes de redução de danos ao uso de substâncias, quer se trate de opiáceos sintéticos, estimulantes sintéticos, novos tipos e formas de produtos de canábis, bem como drogas dissociativas como a cetamina. Uma preocupação crescente são as implicações do consumo inadvertido de substâncias potentes ou misturas de substâncias. As principais considerações políticas neste contexto incluem os comportamentos de risco visados pelos serviços de redução dos danos, a evidência que apoia o seu trabalho e o que constitui um padrão de qualidade dos cuidados. Existe também uma necessidade paralela de desenvolver estratégias eficazes de comunicação dos riscos para alertar os consumidores para a evolução dos riscos nesta área, em especial os associados a novas substâncias, interações entre drogas, produtos de elevada potência ou vias de administração.
Investimento necessário para atingir os objetivos de redução do impacto das doenças infeciosas
As pessoas que injetam drogas correm o risco de contrair infeções como as hepatites virais B e C (HVB e HCV) e o vírus da imunodeficiência humana (VIH). As infeções por VIH associadas ao consumo de drogas injetáveis têm vindo a diminuir ao longo da última década, mas existe a preocupação de que o número reduzido de novas infeções observado nos dados mais recentes possa refletir, pelo menos em parte, um atraso no diagnóstico devido a uma interrupção dos testes causada pela pandemia de COVID-19.
Existem ain da outros sinais de que é necessário um maior investimento para que o objetivo de pôr termo à SIDA e à epidemia de hepatite viral na Europa seja alcançado até 2030. Os surtos locais de VIH a nível das cidades associados à injeção de estimulantes têm sido um problema recorrente na Europa na última década, o que sugere que são necessários mais esforços para reduzir estes danos. Mais de metade dos novos casos de VIH entre as pessoas que injetam drogas foram diagnosticados tardiamente, aumentando o risco de morbilidade e mortalidade associadas. O fornecimento de agulhas e seringas é importante para reduzir a transmissão de doenças, mas apenas alguns países alcançam atualmente as metas recomendadas pela OMS para este tipo de fornecimento. Existem também obstáculos à realização de testes e tratamentos de VHC em muitos países, o que resulta em infeções não diagnosticadas e não tratadas.
São necessárias melhores fontes de dados toxicológicos e forenses para informar as políticas e ações
O Relatório Europeu sobre Drogas de 2023 salienta a importância crescente das drogas sintéticas, o aparecimento de novas substâncias, as novas práticas de produção no mercado da droga e o facto de muitos dos danos associados ao consumo de droga serem exacerbados pelas interações entre drogas, consciente ou inconscientemente consumidas em conjunto. A deteção contínua de canabinóides sintéticos juntamente com canabinóides naturais em matérias à base de plantas suscita preocupações semelhantes. Todas estas questões servem de apoio a uma conclusão que se desenrola ao longo da análise que apresentamos este ano: as fontes de informação forense e toxicológica tornaram-se elementos essenciais para compreender a evolução do mercado da droga e as implicações para a saúde da alteração dos padrões de consumo de droga. Atualmente, estas fontes não estão suficientemente disponíveis, o que inibe a nossa compreensão de questões importantes, como o papel que os padrões de policonsumo de drogas desempenham nas overdoses de drogas. No entanto, de forma positiva, a partir de 2024, a nova EUDA irá lançar uma rede europeia de laboratórios forenses e toxicológicos, com o objetivo de reforçar as capacidades e os recursos de informação nesta área.
Implicações da guerra na Ucrânia para a situação da droga na Europa
Mais de um ano após a invasão russa da Ucrânia, o país continua mergulhado numa crise humanitária, com os sistemas de saúde e sociais da Ucrânia gravemente afetados pelo conflito. A guerra tornou mais difícil o acesso aos cuidados de saúde, incluindo o tratamento da toxicodependência. A fim de assegurar a continuidade dos cuidados prestados às pessoas em tratamento com agonistas opiáceos, o Ministério da Saúde da Ucrânia estabeleceu parcerias com uma série de organizações não governamentais. Paralelamente, os ucranianos continuam a procurar refúgio na União Europeia. Os países da UE tiveram de aumentar as suas capacidades a fim de prestar cuidados às pessoas deslocadas que consomem drogas. Um elemento importante deste processo tem sido o acesso a serviços linguísticos, bem como o reconhecimento da necessidade paralela de proporcionar alojamento, bem-estar social e apoio à infância. A devastação das infraestruturas essenciais e a volatilidade do conflito tornaram extremamente difícil o funcionamento dos sistemas de monitorização de drogas e a análise das alterações da situação das drogas na Ucrânia. O que resulta das informações disponíveis é que a disponibilidade de heroína na Ucrânia parece ter diminuído; no entanto, a produção e o consumo de drogas sintéticas parecem ter sido menos afetados. O tráfico de heroína através da Ásia Central e do Cáucaso e através do Mar Negro para a Europa também parece ter sido afetado pela guerra. Uma possível consequência desta situação é o facto de as atividades de tráfico noutras rotas para a Europa poderem ter aumentado.
Canábis: novos desafios para a política e para a prática
As políticas nacionais da canábis e os desafios regulamentares estão a tornar-se cada vez mais complexos
As políticas e as respostas regulamentares à canábis são cada vez mais confrontadas com os novos desafios colocados pelas novas formas e utilizações desta substância. Os desenvolvimentos neste domínio parecem ser influenciados, em parte, pela criação de mercados recreativos de canábis no continente americano e, em parte, por um maior interesse comercial no desenvolvimento de produtos de consumo que contenham extratos da planta de canábis. O âmbito das políticas nacionais de canábis na Europa está a aumentar gradualmente e abrange agora, para além do controlo da canábis ilícita, a regulamentação de algumas formas de canábis para fins terapêuticos e a emergência de produtos comerciais que contêm derivados da planta de canábis.
São necessários dados de base para avaliar o impacto de eventuais alterações na regulamentação da canábis
Alguns Estados-Membros da UE estão também a alterar a sua abordagem política ao consumo recreativo de canábis. Em dezembro de 2021, Malta legislou sobre o cultivo doméstico e o consumo de canábis em privado, juntamente com clubes de cultivo comunitários sem fins lucrativos, para fins recreativos. A Alemanha está a planear permitir o cultivo doméstico e os clubes sem fins lucrativos, e o Luxemburgo tenciona permitir o cultivo doméstico; ambos os países esperam que seja desenvolvido um sistema de vendas mais tarde. Os Países Baixos estão a testar um modelo para uma cadeia de abastecimento fechada de canábis para coffeeshops de canábis e a Chéquia também anunciou planos para um sistema de distribuição regulamentado e tributado. Além disso, a Suíça não pertencente à UE começou a autorizar ensaios piloto de vendas ou de outros sistemas de distribuição para residentes específicos em certas cidades. Independentemente da natureza de qualquer alteração das políticas neste domínio, a avaliação do seu impacto dependerá da existência de bons dados de base adequados para apoiar a monitorização e avaliação contínuas.
Compreender as implicações para a saúde pública da elevada disponibilidade e do consumo de produtos de canábis
A canábis continua a ser a substância ilícita mais consumida e, em 2021, as quantidades de resina de canábis e de canábis herbácea apreendidas atingiram o seu nível mais elevado numa década, o que aponta para a continuação de uma elevada disponibilidade desta droga. De um modo geral, a análise deste ano conclui que é necessária uma melhor compreensão dos problemas sentidos pelos consumidores de canábis e das vias de referenciação e opções de tratamento existentes. Estima-se que a canábis seja responsável por uma parte significativa das novas admissões em tratamento da toxicodependência na Europa, mas a situação parece ser bastante heterogénea entre os países, tanto em termos da situação atual como das práticas de notificação. Uma análise recente do EMCDDA observou uma maior disponibilidade de tratamentos psicossociais, como terapias cognitivas comportamentais, para as pessoas que sofrem de problemas relacionados com o consumo de canábis, mas, em geral, é ainda necessário compreender melhor em que medida os consumidores de canábis procuram ajuda pelos seus problemas e quais os tipos de serviços suscetíveis de serem adequados para satisfazer as necessidades neste domínio.
Diversificação e adulteração
Existe também uma crescente diversidade de produtos de canábis disponíveis na Europa. Além disso, têm sido associados a casos de intoxicação aguda nos serviços de urgência hospitalar extratos e produtos comestíveis de elevada potência. Em 2021, houve um aumento global das notificações de materiais à base de plantas nos quais foram encontrados THC ou outros canabinóides naturais, juntamente com canabinóides sintéticos. Esta situação alimentou a preocupação de que os produtos de canábis, normalmente com baixo teor de THC, estejam a ser adulterados com canabinóides sintéticos potentes, salientando a importância da análise toxicológica para detetar estas substâncias. Os materiais adulterados à base de plantas podem parecer canábis natural e, por conseguinte, podem ser vendidos incorretamente como canábis a consumidores inocentes. Alguns canabinóides sintéticos são extremamente potentes e têm sido associados a overdoses fatais e não fatais. Os produtos comestíveis de canábis são produtos alimentares, normalmente "doces" infundidos com extrato de canábis, que se tornaram cada vez mais disponíveis no mercado ilícito europeu desde 2021. Estes produtos apresentam riscos devido ao seu teor de THC e à possibilidade de serem confundidos com produtos comerciais legítimos, especialmente pelas crianças. Alguns destes produtos comestíveis estão disponíveis em embalagens que se assemelham a produtos comerciais e algumas amostras também contêm canabinóides sintéticos, aumentando ainda mais as preocupações de saúde neste domínio.
HHC – o primeiro canabinóide semissintético aparece no mercado europeu de drogas ilícitas
A diversidade no mercado da canábis aumentou ainda mais em maio de 2022, quando o primeiro canabinóide semissintético, hexahidrocanabinol (HHC), foi identificado como estando disponível na Europa. O HHC é quimicamente semelhante ao delta-9-tetra-hidrocanabinol (delta-9-THC), a principal substância psicoativa presente na canábis, e parece ter efeitos globalmente semelhantes. No entanto, nem a farmacologia nem a toxicologia do HHC em seres humanos foram estudadas em pormenor. Em 2022, o HHC foi identificado em dois terços dos Estados-Membros da UE, tendo sido comercializado comercialmente em alguns Estados-Membros da UE e vendido como alternativa «legal» à canábis. O HHC pode ser pulverizado ou misturado com canábis herbácea com baixo teor de THC, que pode ter um aspeto e um cheiro semelhantes aos da canábis ilícita. Também apareceu nos vapes e nos produtos alimentares. Pensa-se que o HHC é sintetizado a partir do canabidiol (CBD), que, por sua vez, é extraído da canábis com baixo teor de THC (cânhamo). Desde o seu surgimento, foram também detetados outros canabinóides semissintéticos, o que sugere interesse comercial nesta área. A novidade destas formas de canábis e a falta de dados empíricos significam que existe uma incerteza considerável sobre o possível impacto destas substâncias na saúde humana.
A cocaína e os estimulantes sintéticos tornaram-se mais importantes
Disponibilidade historicamente elevada de cocaína
Em 2021, os Estados-Membros da UE apreenderam um recorde de 303 toneladas de cocaína. O tráfico de grandes volumes de cocaína através dos principais portos marítimos europeus, em contentores de navegação comercial intermodal, é um fator importante para a elevada disponibilidade desta droga na Europa de hoje. O impacto da elevada disponibilidade de cocaína reflete-se nas preocupações quanto ao aumento dos problemas relacionados com a saúde e dos níveis de criminalidade, incluindo os crimes violentos associados às atividades do mercado da droga. As grandes apreensões refletem também o aumento dos esforços envidados pelas autoridades policiais para combater o tráfico através dos principais portos europeus. No entanto, há também sinais de que os grupos de traficantes estão a explorar cada vez mais novas abordagens para reduzir o risco de deteção. Existem dados que sugerem, por exemplo, que estão a visar a portos de menor dimensão potencialmente vulneráveis na União Europeia e nos países vizinhos. Atualmente, existe também uma indústria de produção secundária de cocaína bem estabelecida na Europa que facilita a utilização de métodos inovadores de tráfico, o que pode dificultar a deteção de cocaína escondida em cargas comerciais.
Indícios crescentes do impacto negativo da elevada disponibilidade de cocaína
A cocaína é atualmente a segunda droga mais frequentemente notificada, tanto pelos utentes que entram pela primeira vez no tratamento como pelos dados disponíveis sobre as apresentações de toxicidade aguda de drogas nos serviços de urgência dos hospitais sentinela. Os dados disponíveis também sugerem que a droga esteve envolvida em cerca de um quinto das mortes por overdose em 2021. Devido a desafios metodológicos, é provável que a mortalidade associada à cocaína seja menos notificada nos nossos atuais conjuntos de dados. O aumento da disponibilidade também parece estar associado a alguns sinais de uma possível difusão do consumo de cocaína em grupos mais marginalizados, com a injeção de cocaína e o consumo de cocaína-crack comunicados em alguns países.
Estimulantes sintéticos – maior diversidade no mercado de drogas ilícitas associada a riscos para a saúde pública
Paralelamente à cocaína, o consumo de estimulantes sintéticos está associado a riscos para a saúde física e mental. A maioria dos indicadores sugere que a anfetamina continua a ser o estimulante sintético ilícito mais consumido na Europa. No entanto, há uma crescente diversidade no mercado da droga neste domínio, com indícios de que tanto a metanfetamina como as catinonas sintéticas estão agora a contribuir de forma mais significativa do que no passado para os problemas relacionados com o consumo de estimulantes na Europa. Os consumidores podem considerar os diferentes estimulantes como funcionalmente semelhantes e estar dispostos a experimentar novos produtos com base na sua disponibilidade no mercado. Uma vez que os estimulantes sintéticos também podem estar disponíveis em pós ou comprimidos com aparência semelhante, os consumidores podem, por vezes, desconhecer qual o estimulante ou mistura específica de estimulantes que estão a consumir. Estas drogas também podem ser encontradas em comprimidos comercializados como MDMA. De um modo geral, a evolução neste domínio significa que as pessoas que consomem drogas podem estar expostas a um maior risco de efeitos adversos para a saúde, incluindo envenenamentos, problemas de saúde mental agudos e crónicos, doenças infeciosas e mortes, através do consumo, possivelmente inconsciente, de substâncias mais potentes ou novas e de comportamentos de alto risco.
Maior reconhecimento do papel desempenhado pelos estimulantes nos danos associados ao consumo de drogas injetáveis
As pessoas que injetam drogas correm um maior risco de contrair infeções transmitidas pelo sangue ou de morrer de uma overdose de drogas. Apesar de um declínio contínuo do consumo de drogas injetáveis na última década na Europa, este comportamento continua a ser responsável por um nível desproporcionado dos danos associados às drogas ilícitas. Historicamente, a heroína tem sido a principal droga associada ao consumo injetável. No entanto, outras drogas, incluindo estimulantes e medicamentos, são agora também mais frequentemente injetadas, isoladamente ou em combinação com heroína ou outros opiáceos. A injeção de estimulantes está associada a padrões de consumo de alta frequência e tem sido associada a surtos locais de VIH em cidades da Europa. A injeção de estimulantes sintéticos pouco dissolvidos, de medicamentos ou de cocaína-crack também pode aumentar os riscos de danos vasculares ou de contrair uma infeção bacteriana. O policonsumo de drogas injetáveis também pode aumentar o risco de overdose. A compreensão dos danos associados à alteração dos padrões de consumo das drogas injetáveis será fundamental para a conceção de intervenções que reduzam os danos associados a este comportamento.
Sinais de maior volatilidade no mercado de MDMA, mas ainda subsistem preocupações quanto à disponibilidade de produtos de elevada pureza
Os dados atuais sugerem uma situação geral relativamente estável no que diz respeito ao consumo de MDMA, embora exista uma heterogeneidade considerável a nível nacional. Isto segue-se a um período em que os indicadores de consumo de MDMA sugeriam um declínio temporário do consumo durante as fases iniciais da pandemia da COVID-19, quando as medidas de distanciamento social interromperam a vida noturna e outros eventos sociais associados ao consumo desta substância. A Europa continua a ser um importante centro de produção de MDMA, tanto para o consumo interno como para a exportação para mercados fora da UE. Com um teor típico de MDMA de 161 a 173 miligramas, a dosagem global dos comprimidos continua a ser elevada em relação aos padrões históricos, o que gerou preocupações quanto ao risco de danos para a saúde dos consumidores. No entanto, registaram-se alguns sinais recentes que sugerem uma possível diminuição dos volumes de produção, tendo sido observadas algumas reduções no teor de MDMA dos comprimidos. Não é claro se estes sinais indicam que os produtores estão a ter problemas em obter os produtos químicos precursores ou se estão a mudar para a produção de outras substâncias mais procuradas ou mais rentáveis, ou se o mercado está a responder a uma perceção de procura por parte dos consumidores de produtos de menor potência. No entanto, de um modo geral, os comprimidos e os pós de elevada pureza continuam a estar disponíveis no mercado europeu, e esta informação é importante para informar as intervenções de prevenção e redução de danos nesta área.
Maior diversidade na disponibilidade e consumo de drogas
Sinais de que a cetamina se tornou uma droga de eleição entre alguns grupos
A quantidade de cetamina apreendida e comunicada ao Sistema de Alerta Rápido da UE em matéria de novas substâncias psicoativas varia consideravelmente ao longo do tempo, mas manteve-se a níveis relativamente elevados nos últimos anos. Este facto, juntamente com outras informações, sugere que a cetamina estará provavelmente disponível de forma consistente em alguns mercados de droga nacionais e que se tornou uma droga de eleição para alguns grupos. A cetamina é normalmente aspirada, mas também pode ser injetada. Tem sido associada a vários danos agudos e crónicos dependentes da dose, que em utilizadores de longa duração podem incluir complicações urológicas e lesões na bexiga. A cetamina também pode ser encontrada adicionada a outras misturas de droga, incluindo pós e comprimidos de MDMA. Também se encontra em misturas vendidas como «cocaína rosa», um produto que parece estar a atrair um interesse crescente por parte dos consumidores. Na Europa, o termo cocaína rosa refere-se geralmente a misturas de cetamina com outras drogas sintéticas, tais como anfetaminas ou MDMA. Tal como referido noutros pontos do Relatório Europeu sobre Drogas de 2023, as pessoas que consomem misturas de drogas podem não ter consciência das substâncias que estão a consumir ou de que as interações entre diferentes drogas podem expô-las a riscos elevados para a saúde.
Preocupações de saúde suscitadas pelo consumo de óxido nitroso entre os jovens
Uma análise recente do EMCDDA observou que, em vários Estados-Membros da UE, existem sinais de um aumento do consumo de óxido nitroso, também conhecido como gás hilariante, para efeitos de intoxicação. O óxido nitroso é utilizado para vários fins comerciais e discute-se até que ponto esta substância está associada a riscos negativos para a saúde, especialmente em utilizadores episódicos. No entanto, o consumo intensivo e crónico de óxido nitroso tem sido associado a danos para a saúde, incluindo intoxicações, queimaduras e lesões pulmonares e, em alguns casos de exposição prolongada, lesões nos nervos causadas por deficiência de vitamina B12. Em algumas cidades europeias, o descarte das botijas mais pequenas de aço inoxidável também se tornou um problema de resíduos resultantes da droga. Esta droga parece ter-se tornado mais acessível e barata, com o aumento da disponibilidade, em alguns países, de botijas de gás maiores destinadas a utilizadores recreativos, que podem também aumentar o risco de lesões pulmonares, devido à maior pressão do seu conteúdo. Por conseguinte, considerada no seu conjunto, a informação disponível sugere que parece haver um forte argumento para que os serviços de prevenção de drogas e de redução de danos abordem esta substância no seu trabalho. Atualmente, as abordagens regulamentares à venda e ao consumo desta substância variam de país para país.
Sinais de que a disponibilidade e a produção de catinonas sintéticas na Europa estão a aumentar
Comercializadas como substâncias de substituição de drogas como a anfetamina e a MDMA, as catinonas sintéticas, como a 3-MMC e a 3-CMC, são também por vezes vendidas como sendo outras substâncias. Embora o número de apreensões permaneça relativamente baixo, foram encontradas quantidades muito grandes de catinonas sintéticas em algumas apreensões individuais, geralmente provenientes da Índia. Este facto, juntamente com as provas de que as catinonas sintéticas também estão a ser produzidas na Europa, sugere que estas substâncias estão cada vez mais disponíveis na Europa, onde têm potencial para desempenhar um papel cada vez mais importante no mercado de estimulantes no futuro. Os desenvolvimentos nesta área também criam novos desafios para a aplicação da lei, por exemplo, formas quimicamente mascaradas e não controladas de catinonas sintéticas têm sido traficadas para a Europa para posterior conversão local em catinonas controladas. Tendo em conta os volumes de substâncias químicas precursoras apreendidas, parece provável que esteja a haver uma produção em grande escala para a Europa e, possivelmente, para outros mercados.
Possíveis consequências adversas do interesse crescente no potencial terapêutico das drogas psicadélicas
O interesse, tanto clínico como público, tem vindo a aumentar na possível utilização terapêutica de algumas substâncias psicadélicas, incluindo substâncias novas e pouco conhecidas. Um número crescente de estudos clínicos está a explorar o potencial de uma série de substâncias psicadélicas para tratar diferentes doenças de saúde mental. Apesar de alguns estudos parecerem promissores, é difícil generalizar nesta área, em parte porque a maioria das investigações estão ainda a dar os primeiros passos, por um lado devido ao grande número de produtos químicos em análise e, por outro, devido ao vasto leque de doenças que estão a ser estudadas. Estes desenvolvimentos foram alvo de atenção considerável por parte dos meios de comunicação social, o que suscita a preocupação de que possam encorajar um maior consumo experimental destas substâncias sem apoio médico, colocando potencialmente alguns indivíduos vulneráveis em risco de sofrer consequências adversas. Ao mesmo tempo, há dados que apontam para a existência de programas não regulamentados, tanto na União Europeia como noutros países, nos quais o consumo de substâncias psicadélicas faz parte de uma intervenção para o bem-estar, terapêutica ou de orientação espiritual.
Desafios mais complexos relacionados com os opiáceos
Os problemas relativos aos opiáceos na Europa estão a evoluir
A heroína continua a ser o opiáceo ilícito mais consumido na Europa e também continua a ser a droga responsável por uma grande parte dos encargos de saúde atribuídos ao consumo de drogas ilícitas. No entanto, os dados disponíveis também sugerem que a heroína já não desempenha um papel tão central como outrora e os opiáceos sintéticos parecem estar a desempenhar um papel mais significativo nos problemas relacionados com os opiáceos em alguns países. A quantidade de heroína apreendida pelos Estados-Membros da UE mais do que duplicou em 2021, passando para 9,5 toneladas, ao passo que a Turquia apreendeu a quantidade recorde de 22,2 toneladas. Apesar destas grandes apreensões, apenas se registaram ligeiras alterações no preço ou pureza da heroína no mercado de retalho e, de um modo geral, os dados disponíveis indicam que a disponibilidade de heroína permanece relativamente elevada. No entanto, há poucos indícios de um aumento significativo do recrutamento para o consumo de heroína, com indicadores que sugerem que, na maioria dos países, os consumidores desta droga são uma coorte envelhecida, muitos dos quais terão um longo historial de contacto com drogas e outros serviços de apoio.
A heroína desempenha um papel menos significativo nos problemas relacionados com opiáceos, mas continua a ser uma causa significativa de danos
Embora a heroína continue a ser responsável pela maioria das mortes relacionadas com opiáceos em geral, o número de países em que tal acontece diminuiu. Os dados apresentados aos serviços de urgência hospitalares sobre as intoxicações agudas relacionadas com droga sugerem igualmente que, em algumas cidades, outros opiáceos ultrapassaram a heroína como fator responsável pelos casos apresentados. A heroína também perdeu importância relativa como motivo para procura de tratamento especializado da toxicodependência. Em muitos aspetos, a perceção de que a heroína está a desempenhar um papel menos central nos problemas relacionados com a droga pode ser vista como uma evolução positiva. No entanto, existem algumas advertências importantes a este respeito. A população europeia de pessoas que consomem heroína continua a ser numerosa e as suas necessidades em termos de saúde e de apoio estão a tornar-se mais complexas. Os padrões de policonsumo de drogas tornaram-se comuns entre os consumidores de opiáceos e as interações entre drogas – muitas vezes quando a heroína é consumida juntamente com outras substâncias – parecem ter-se tornado um elemento mais significativo no aumento do risco de danos. Além disso, os opiáceos sintéticos tradicionais e novos estão, cada vez mais, associados à morbilidade e à mortalidade relacionadas com a droga e, em alguns países, são agora os maiores responsáveis pelos problemas relacionados com opiáceos.
Apoio multidisciplinar necessário para tratar uma coorte envelhecida de utentes consumidores de opiáceos
As estimativas atuais sugerem que cerca de metade dos consumidores de opiáceos de alto risco na União Europeia em 2021, ou seja, cerca de 511 000 (524 000 incluindo a Noruega e a Turquia), receberam tratamento de agonistas de opiáceos. A evidência disponível apoia o tratamento com agonistas opiáceos, tendo sido observados resultados positivos a nível social e de saúde, que incluem reduções do risco de mortalidade. No entanto, mais de 60 % dos utentes em tratamento de agonistas opiáceos têm atualmente 40 anos ou mais, enquanto menos de 10 % têm menos de 30 anos. Isto significa que os serviços têm de dar resposta a um conjunto mais complexo de necessidades de cuidados de saúde numa população que se está a tornar cada vez mais vulnerável. São necessárias vias de referenciação eficazes para serviços mais genéricos que ofereçam tratamento para doenças associadas ao processo de envelhecimento. O tratamento deste grupo muitas vezes altamente marginalizado também precisa de dar resposta a um conjunto complexo de problemas relacionados, não só com o seu consumo de droga, mas também com problemas de saúde mental, isolamento social, emprego e habitação. É, por conseguinte, necessária uma maior ênfase no estabelecimento de parcerias eficazes entre várias agências e serviços genéricos de saúde e de apoio social.
Necessidade de compreender melhor o papel desempenhado pelo policonsumo de drogas na mortalidade causada por opiáceos
Os opiáceos, geralmente em combinação com outras substâncias, continuam a ser as substâncias mais frequentemente envolvidas em mortes induzidas pela droga. Embora as tendências gerais das mortes em que os opiáceos estejam envolvidos pareçam estáveis, a proporção de mortes nos grupos etários mais velhos está a aumentar. O papel desempenhado pela heroína nas taxas globais de mortalidade parece estar a diminuir em alguns países. É igualmente importante notar que, quando a heroína está envolvida, raramente é encontrada de forma isolada, o que indica que o policonsumo de drogas é a norma. Nas mortes em que a heroína está envolvida e em que a informação toxicológica pormenorizada está disponível, também é frequente encontrarem-se presentes outros opiáceos e medicamentos, que podem ter contribuído para tal. As mortes em que estimulantes estão envolvidos, muitas vezes juntamente com opiáceos, parecem estar a aumentar em alguns países, e os estimulantes estão mais frequentemente envolvidos em mortes que ocorrem entre coortes mais jovens. Por conseguinte, é necessário reconhecer que os padrões de policonsumo de drogas desempenham um papel importante na mortalidade induzida pela droga, o que sublinha a necessidade de melhorar a informação toxicológica. As interações entrre drogas podem também significar a necessidade de rever os modelos de prestação de serviços, como por exemplo, o consumo de estimulantes ou opiáceos sintéticos, em combinação com a heroína, tem implicações na realização eficaz de algumas intervenções destinadas a reduzir o risco de overdose de droga. As overdoses que envolvem opiáceos sintéticos potentes, por exemplo, podem exigir a administração de várias doses do antagonista opiáceo naloxona.
Interações entre novas benzodiazepinas e os opiáceos
Atualmente, a falta de informação toxicológica significa que o papel que as benzodiazepinas desempenham nas mortes induzidas por opiáceos não é suficientemente compreendido. As benzodiazepinas não controladas e as novas benzodiazepinas estão disponíveis na Europa, no entanto, as limitações dos dados tornam difícil comentar a escala do seu consumo. No entanto, os dados disponíveis são suficientes para indicar que estas substâncias podem ter consequências importantes para a saúde, especialmente quando consumidas em combinação com outras drogas. São frequentemente muito baratas e podem ser consumidas pelos jovens em combinação com álcool, o que por vezes provoca reações potencialmente graves para a saúde ou comportamentos aberrantes. Também têm sido associadas ao aumento do risco de morte causada por overdose de opiáceos e, nos dados mais recentes, a proporção de mortes por overdose que envolve benzodiazepinas aumentou em alguns países. Um exemplo da complexidade que agora pode existir no mercado da droga neste domínio provém da Estónia, onde foram feitas apreensões recentes de misturas que contêm tanto o novo opiáceo sintético metonitazeno, como a bromazolam, uma nova benzodiazepina.
Novos opiáceos sintéticos
Os problemas de droga na América do Norte constituem um exemplo de como as mudanças nos padrões de oferta e de consumo de opiáceos podem ter implicações importantes para a saúde pública. Nesta região do mundo, os derivados potentes do fentanilo substituíram, em grande medida, os opiáceos de prescrição médica e a heroína e tornaram-se o principal responsável por uma epidemia de mortes induzidas por opiáceos. Existem relatos de novos opiáceos sintéticos na Europa e estes podem estar a tornar-se mais comuns em algumas zonas, mas, atualmente, os padrões de disponibilidade e consumo são muito diferentes dos encontrados na América do Norte, verificando-se que os problemas significativos relacionados com estas drogas se restringem sobretudo a alguns países nórdicos e bálticos. Em 2021, os Estados-Membros da UE relataram cerca de 140 mortes associadas ao fentanilo. Pensa-se, contudo, que uma parte significativa destas substâncias está associada a fentanilo desviado para uso médico. Embora seja provável que se trate de uma subestimação, não se compara com os milhares de mortes relacionadas com fentanilo registadas durante o mesmo período na América do Norte. Contudo, entre 2009 e 2022, foram identificados 74 novos opiáceos no mercado europeu de droga, tendo o Sistema de Alerta Rápido da UE recebido notificações formais de mais um novo opiáceo sintético em 2022 e três nos primeiros quatro meses de 2023. No entanto, a maioria dos novos opiáceos detetados nos últimos anos não pertencem ao grupo do fentanilo, mas sim aos opiáceos de benzimidazol (nitazene) altamente potentes. As informações disponíveis provenientes de apreensões, resíduos de seringas e resultados toxicológicos reportados pelos países bálticos sugerem um aumento da disponibilidade e dos danos (incluindo mortes induzidas pela droga) nesses países em 2022, particularmente relacionados com os opiáceos benzimidazólicos e o derivado de fentanilo, o carfentanil. Em apreensões recentes, foram também encontrados novos opiáceos sintéticos em misturas que continham uma nova benzodiazepina e o sedativo para animais, a xilazina. Estas combinações, designadas respetivamente por «benzo-dope» e «tranq-dope», também foram reportadas na América do Norte, onde foram associadas a um risco acrescido de morte por overdose. Uma vez que os novos opiáceos sintéticos são altamente potentes, uma pequena quantidade é suficiente para produzir um grande número de doses típicas e pode constituir um risco acrescido de intoxicação fatal. Isto significa que, embora atualmente os problemas nesta área sejam relativamente limitados, este grupo de substâncias representa uma ameaça, com potencial para afetar de forma mais significativa a saúde e a segurança europeias no futuro.
A Europa deve estar preparada para as possíveis implicações da proibição do cultivo de papoila de ópio no Afeganistão
A maior parte da heroína consumida na Europa provém das papoilas-dormideira cultivadas no Afeganistão. Em abril de 2022, os talibãs anunciaram uma proibição do cultivo de papoilas-dormideira, levantando a questão das implicações que tal terá para o consumo de opiáceos na Europa. Após a tomada do país pelos talibãs em agosto de 2021, estima-se que o cultivo da papoila de ópio tenha aumentado quase um terço em 2022. No entanto, as informações preliminares para 2023 sugerem que a superfície cultivada foi substancialmente reduzida. Além disso, as medidas paralelas introduzidas para reduzir o fabrico de metanfetaminas parecem ter resultado na diminuição da visibilidade desta forma de produção de droga, podendo ter sido, em certa medida, reduzida. Embora sejam necessárias mais provas para verificar estas conclusões, as informações atualmente disponíveis sugerem que é possível uma redução significativa da produção de ópio e de metanfetaminas no Afeganistão em 2023. No entanto, há uma série de razões pelas quais é difícil prever o impacto a longo prazo da proibição do cultivo da papoila de ópio. As dificuldades económicas enfrentadas pelos agricultores do país podem, por exemplo, tornar politicamente difícil a manutenção desta restrição ao longo do tempo. Além disso, a existência de reservas e o facto de, normalmente, demorar mais de 12 meses até que a colheita de ópio apareça no mercado europeu de venda de droga a retalho sob a forma de heroína, também significa que é demasiado cedo para prever o impacto na disponibilidade de droga na Europa. No entanto, se a proibição do cultivo do ópio for aplicada e mantida, poderá ter um impacto significativo na disponibilidade de heroína. Uma proibição anterior de curta duração da produção de ópio no Afeganistão provocou uma escassez de heroína na Europa, a qual, em alguns países, foi associada a alterações de longo prazo nos padrões de consumo de opiáceos. Isto significa que seria prudente para a Europa estar preparada para responder a qualquer possível impacto de uma eventual diminuição da disponibilidade de heroína a partir de 2024. Uma consequência possível poderá ser o aumento da procura de tratamento para problemas relacionados com opiáceos. Uma preocupação é o facto de qualquer escassez na disponibilidade de heroína poder levar a um aumento da procura de opiáceos sintéticos. Dado que os desenvolvimentos nesta área permanecem atualmente incertos, é necessária uma monitorização intensiva. Se forem observadas alterações, poderão ser necessárias medidas de atenuação, que poderão incluir o aumento da capacidade de tratamento, a revisão das estratégias de redução de danos e a introdução de medidas de fiscalização mais rigorosas para combater a oferta de opiáceos sintéticos. Por último, pode haver um risco de novos desafios em matéria de segurança, tais como um aumento dos fluxos de migrantes irregulares provenientes do Afeganistão devido a um agravamento da situação económica entre as populações rurais pobres do país.
Referências
Citação recomendada: Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (2023), Relatório Europeu sobre Drogas 2023: Tendências e desenvolvimentos, https://www.emcdda.europa.eu/publications/european-drug-report/2023/drug-situation-in-europe-up-to-2023_pt
Elementos de identificação:
HTML: TD-02-23-150-PT-Q
ISBN: 978-92-9497-937-7
DOI: 10.2810/445991