As rápidas mudanças no mercado europeu de drogas estão a criar novos riscos para a saúde e para a segurança e a desafiar a capacidade de resposta da região. Este aviso provém da Agência da União Europeia sobre Drogas (EUDA) no seu Relatório Europeu sobre Drogas 2025: Tendências e evoluções, hoje divulgado (1). Com base em dados de 29 países (UE-27, Noruega e Turquia), esta análise anual destaca as tendências mais recentes e as ameaças emergentes.
Agora na sua 30.ª edição, o relatório apresenta dados concretos para informar as políticas e práticas em matéria de droga. Mostra como o mercado de drogas europeu continua a evoluir, com os fornecedores e os consumidores a adaptarem-se à instabilidade geopolítica, à globalização e aos progressos tecnológicos.
Alerta igualmente para os riscos para a saúde pública decorrentes da disponibilidade e utilização de uma gama cada vez mais diversificada de substâncias, muitas vezes de elevada potência e pureza. O policonsumo de substâncias continua a ser uma preocupação, dificultando a prestação de serviços eficazes de prevenção, tratamento e redução de danos.
A EUDA apoia a UE e os seus Estados-Membros na antecipação e resposta aos novos desafios relacionados com as drogas. Fá-lo através de uma série de novos serviços, incluindo alertas específicos, avaliações atempadas das ameaças, rastreio de precursores e análises forenses e toxicológicas aprofundadas. Entre as ameaças emergentes destacadas no relatório, e que exigem a preparação dos Estados-Membros, contam-se as catinonas sintéticas, os opióides sintéticos altamente potentes e produtos de canábis potentes.
O mercado de estimulantes da Europa: as catinonas estão a ganhar terreno
O relatório destaca a maior disponibilidade de catinonas sintéticas, que se reflete em «importações e apreensões sem precedentes». Trata-se de estimulantes sintéticos, quimicamente semelhantes à catinona, que é o ingrediente ativo do khat. Em 2023, foi registado um total de, pelo menos, 37 toneladas de catinonas sintéticas (27 toneladas em 2022 e 4,5 toneladas em 2021). A maioria envolveu um pequeno número de importações a granel provenientes da Índia, principalmente através dos Países Baixos.
O Sistema de Alerta Rápido da UE (SAR) sobre novas substâncias psicoativas (NSP) identificou sete novas catinonas sintéticas em 2024, elevando para 178 o número total destas substâncias monitorizadas na Europa.
A EUDA realizou recentemente avaliações de risco de três novas catinonas sintéticas: 2-metilmetcatinona (2-MMC), 4-bromometcatinona (4-BMC) e N-etilnorpentedrona (NEP). Até janeiro de 2025, a agência tinha também avaliado os riscos, pela primeira vez a nível da UE, de oito produtos químicos precursores utilizados na produção de catinonas sintéticas.
Embora o consumo involuntário de catinonas sintéticas em misturas de drogas e comprimidos continue a ser motivo de preocupação, os consumidores também compram intencionalmente estas substâncias como droga estimulante preferida. Os dados relativos ao tratamento também refletem a presença crescente de catinonas sintéticas, com um aumento do número de utentes que iniciam tratamento entre os países que comunicam estes dados (425 utentes em 2018 para 1 930 em 2023).
Em 2023, 53 locais de produção de catinonas sintéticas, alguns dos quais em grande escala, foram desmanteladas na UE (29 em 2022), principalmente na Polónia. Este é um exemplo da intensificação significativa da produção de drogas na Europa. Em 2023, as autoridades desmantelaram instalações de produção em toda a Europa, incluindo: 250 para a metanfetamina, 93 para a anfetamina, 36 para o MDMA e 34 para a cocaína.
Novos opióides sintéticos: os nitazenos representam um risco de intoxicações fatais
A EUDA estima que em 2023 se registaram 7 500 mortes induzidas por drogas (contra cerca de 7 100 em 2022), principalmente envolvendo opiáceos em combinação com outras substâncias. O mercado europeu de opiáceos continua a evoluir, estando atualmente disponíveis várias substâncias para além da heroína. Os novos opióides sintéticos (substâncias sintéticas que atuam nos recetores de opiáceos no cérebro, com efeitos muito semelhantes à heroína) desempenham um papel relativamente pequeno no mercado de drogas europeu em geral. No entanto, ocupam um lugar de destaque nos países bálticos. Existe também uma preocupação crescente quanto à sua utilização noutros Estados-Membros da UE. Em 2024, a EUDA lançou um apelo à ação dirigido aos parceiros da UE e aos Estados-Membros, exortando-os a unirem-se contra a ameaça crescente colocada pelos novos opióides sintéticos.
Desde 2009, surgiram 88 novos opióides sintéticos no mercado europeu. Estes são muitas vezes extremamente potentes, criando riscos de envenenamento e morte. Em 2024, todos os sete novos opióides sintéticos notificados formalmente ao SAR eram nitazenos. Até à data, estão a ser monitorizados 22 nitazenos na Europa. Uma avaliação de ameaças piloto recentemente realizada pela EUDA, centrada nos novos opióides sintéticos presentes nos Estados bálticos, concluiu que os nitazenos foram responsáveis por uma percentagem significativa de mortes por overdose na Estónia e na Letónia. Em 2024, pelo menos sete Estados-Membros da UE e a Noruega comunicaram danos relacionados com os nitazenos.
O relatório destaca a crescente disponibilidade na Europa de medicamentos falsos que contêm nitazenos, que normalmente imitam medicamentos legítimos sujeitos a receita médica (por exemplo, oxicodona, benzodiazepinas). Este facto suscita preocupações quanto à possibilidade de estes produtos serem utilizados por um leque mais vasto de consumidores, incluindo os jovens. Devido à elevada potência dos nitazenos, estes medicamentos falsificados representam um risco significativo de envenenamento grave e de overdose. Uma das principais respostas à overdose relacionada com opiáceos é a administração de naloxona por profissionais médicos ou no âmbito de programas de naloxona para levar para casa (THN). Um número crescente de países comunicou a oferta de programas THN (15 Estados-Membros da UE em 2023, com mais três a iniciarem programas-piloto em 2024).
O controlo de 10 nitazenos pela China pode reorientar o mercado dos nitazenos (por exemplo, metonitazeno, protonitazeno) para novos derivados ou famílias alternativas de drogas opiáceas. Em 2024, foram identificadas através do SAR substâncias da família da «orfina» (por exemplo, ciclorfina e espiroclorfina), o que sublinha a necessidade de uma monitorização atenta.
Especula-se que qualquer redução futura da disponibilidade de heroína na Europa, na sequência da proibição pelos talibãs do cultivo da papoila do ópio e da produção de ópio no Afeganistão, poderá levar a que as lacunas do mercado europeu sejam preenchidas por opióides sintéticos. Existe também a possibilidade de os estimulantes, como a cocaína e as catinonas sintéticas, serem utilizados como substitutos da heroína. O relatório afirma: «Perante a incerteza, a Europa tem de melhorar a sua preparação para enfrentar os potenciais desafios decorrentes de uma tal mudança de mercado».
Produtos de canábis potentes e uma maior disponibilidade de canabinoides semissintéticos
A evolução do mercado da canábis está a criar novos desafios para a forma como os países respondem às drogas ilícitas mais comummente consumidas na Europa – estima-se que 24 milhões de adultos europeus (15 a 64 anos) tenham utilizado canábis no último ano. O teor médio de THC da resina de canábis duplicou ao longo da última década para 23 % em 2023, mais do dobro do da canábis herbácea (estável em 11 %).
A avaliação dos riscos para a saúde relacionados com a canábis é atualmente complicada devido à maior variedade de produtos disponíveis, incluindo extratos de elevada potência e produtos comestíveis.
Alguns produtos vendidos no mercado ilícito como canábis podem ser adulterados com novos e potentes canabinoides sintéticos, sem o conhecimento dos consumidores. Estas substâncias imitam os efeitos do THC, o principal ingrediente psicoativo da canábis (e atuam sobre os mesmos recetores no cérebro). Os controlos da China dos canabinoides sintéticos em 2021 reduziram a sua disponibilidade na Europa. No entanto, tem-se verificado um aumento da disponibilidade de canabinoides semissintéticos (que podem ser produzidos a partir do CBD, outro ingrediente da cannabis), como o hexa-hidrocanabinol (HHC), recentemente colocado sob controlo internacional. Em 2024, dos 20 novos canabinoides detetados através do SAR, 18 eram semissintéticos. Em junho de 2024, a Hungria notificou um surto de 30 intoxicações agudas não fatais relacionadas com «gomas» que continham canabinoides semissintéticos potentes.
No plano político, vários Estados-Membros da UE (por exemplo, Alemanha, Luxemburgo, Malta e Países Baixos) mudaram, ou tencionam mudar, a sua abordagem relativamente ao consumo e à oferta de canábis para fins recreativos. Estas alterações incluem novos regulamentos relativos ao cultivo doméstico, aos clubes de cultivo sem fins lucrativos e ao consumo de canábis em privado. A EUDA salienta a necessidade de acompanhar e avaliar estes desenvolvimentos para compreender plenamente o seu impacto na saúde pública, na segurança e no mercado interno.
Cocaína: crescentes preocupações com a saúde e elevada disponibilidade
A cocaína é a droga estimulante ilícita mais consumida na Europa, tendo sido consumida por cerca de 4,6 milhões de adultos europeus (15 a 64 anos) no último ano. Existem preocupações crescentes em relação ao seu impacto negativo na saúde pública. É a segunda droga ilícita mais comum comunicada pelas pessoas que entram nos serviços de tratamento de toxicodependência pela primeira vez (35 000 em 2023, em comparação com 31 500 em 2022). Os dados dos hospitais sentinela do Euro-DEN Plus em 2023 sugerem que a cocaína foi a substância mais frequentemente comunicada pelas pessoas que se apresentaram nos serviços de urgência dos hospitais – mencionada em 25 % (1695) das apresentações de toxicidade aguda por drogas. Tanto o consumo de cocaína injetada como o de cocaína-crack são notificados num número crescente de países.
Em 2023, estima-se que tenham sido registadas 9 900 entradas para tratamento relacionadas com o crack (8 100 em 2022).
Os dados relativos às apreensões confirmam que a disponibilidade de cocaína na Europa continua a ser elevada. Pelo sétimo ano consecutivo, os Estados-Membros da UE apreenderam quantidades recorde de cocaína, num total de 419 toneladas comunicadas em 2023 (323 toneladas em 2022). A Bélgica (123 toneladas), a Espanha (118 toneladas) e os Países Baixos (59 toneladas) representaram quase três quartos (72 %) da quantidade total apreendida, o que sublinha o seu papel como principais pontos de entrada da cocaína traficada para a Europa (os dados preliminares para 2024 sugerem que a situação está a mudar). Outros países também estão a ser visados como pontos de entrada, por exemplo, Alemanha (43 toneladas), França (23 toneladas) e Portugal (22 toneladas).
As grandes apreensões efetuadas nos portos europeus põem em evidência a forma como os traficantes de drogas ilícitas continuam a explorar as cadeias de abastecimento comerciais. Em 2024, Espanha registou a maior apreensão de sempre de cocaína num único carregamento (13 toneladas), escondidas em bananas originárias do Equador. No âmbito do roteiro da UE para combater o tráfico de droga e a criminalidade organizada, a Aliança Europeia dos Portos visa aumentar a resiliência dos portos contra o tráfico de droga e a infiltração da criminalidade.
A concorrência no mercado das drogas ilícitas está a impulsionar a criminalidade relacionada com a cocaína, incluindo a violência e os homicídios relacionados com os gangues. Em 2024, a EUDA lançou um apelo à ação para quebrar o ciclo de violência relacionada com as drogas, na sequência da primeira conferência europeia sobre o tema. Este facto sublinhou a necessidade urgente de colaboração intersectorial para garantir uma Europa mais segura e protegida.
Há sinais de que o aumento constante da disponibilidade de cocaína na UE, nos últimos anos, está a ter impacto no consumo de cocaína, como se pode ver em várias fontes de dados, como a análise das águas residuais.
Os resíduos de cocaína nas águas residuais municipais aumentaram em mais de metade das cidades, com dados relativos a 2023 e 2024. Dado que o intervalo de tempo estimado entre o primeiro consumo de cocaína e a primeira procura de tratamento é de cerca de 13 anos, o aumento da disponibilidade pode traduzir-se num aumento da procura de tratamento nos próximos anos. Tal exige uma avaliação urgente da capacidade de resposta dos Estados-Membros da UE, em antecipação de um potencial aumento da procura de tratamento.
Reforçar a preparação da UE em matéria de drogas: novos serviços da EUDA
Para apoiar a preparação da Europa face a problemas de drogas cada vez mais complexos, a EUDA está a desenvolver um novo conjunto de serviços integrados (2). Estes serviços centram-se em quatro áreas-chave: antecipar os desafios emergentes relacionados com as drogas e as suas consequências; alertar em tempo real para os novos riscos e ameaças relacionados com as drogas; ajudar a UE e os seus Estados-Membros a reforçarem as suas respostas; e facilitar o intercâmbio de conhecimentos e a aprendizagem a nível da UE para políticas e intervenções em matéria de droga baseadas em dados concretos.
Estão a ser desenvolvidas novas iniciativas, como o Sistema Europeu de Alerta sobre Drogas e o Sistema de Avaliação das Ameaças à Saúde e à Segurança, para melhorar o alerta precoce e o conhecimento da situação. Entretanto, uma Rede Europeia de Laboratórios Forenses e Toxicológicos analisará amostras de drogas, formará peritos e trocará informações sobre novos desenvolvimentos, como as ameaças colocadas pelos novos opióides sintéticos. A agência tem também um novo papel na recolha e análise de informações sobre os precursores de drogas e o seu desvio e tráfico, o que lhe permite notificar os Estados-Membros de novas deteções e apoiar a Comissão Europeia com dados científicos. Em conjunto, estes esforços constituirão uma base sólida para uma resposta europeia mais resiliente às drogas.